Rubem Alves

Tive uma companheira de olhos azuis tristes que, por muitos anos, esteve silenciosamente presente em minhas sessões de análise. Ela se chamava Angel.
Era uma cadela Weimaraner. Jamais fez qualquer gesto hostil, jamais rosnou. Era como se não estivesse lá, deitada, cabeça apoiada entre as pernas.
E eu tive um paciente que tinha um sentimento de desprezo em relação ao seu pai que, segundo julgamento seu, não passara de um pedreiro de segunda classe.
Pois, numa bela manhã, ao entrar na sala, ele se deparou com a Angel deitada, que o olhava com seus olhos azuis. Ele se deitou no divã e disse: “Não gosto de cachorros. Não gosto de gatos. Não gosto de animais.”
Aí ele fez uma pausa, como se uma nova idéia tivesse entrado na sua mente, e se corrigiu:
“Não, eu gosto de cavalos.”
E continuou: “Me contaram – eu não vi – que meu pai foi o maior domador de cavalos que jamais existiu.” Aí a sua fantasia voou solta e ele começou a falar sobre o seu pai – o pedreiro de segunda classe era agora um herói! - cavalgando cavalos selvagens e triunfando sobre eles.
Parou e meditou num sussuro: “É assim. Os cavalos selvagens são domados. Transformam-se em cavalos mansos, bons para serem montados.”
Pausa.
“Acho que o casamento é assim. A gente é cavalo selvagem, indomável. Até o momento em que se apaixona por uma mulher. Fica manso de repente, vai até ela e lhe diz: ‘Pode me montar’...
Ela aceita o convite, põe arreio, freio, rabicho, aperta a barrigueira, calça esporas e monta. E a gente vai marchando de mansinho, obediente às ordens, à rédea, à espora...
Quando ela quer ela apeia, amarra o cabresto num poste, e a gente fica lá, paciente, trocando pernas, abanando as moscas com o rabo, esperando.
Ele não vai nos abandonar nunca porque um cavalo manso marchador é coisa que não se joga fora. Vai cavalgar com o corpo.
Mas a sua alma estará sempre voando a galope no cavalo selvagem..."
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