domingo, 30 de outubro de 2011

A arte de Viajar

Adaptado de Ana Paula G. Spolon


Daniel Piza chama de amadora a arte de viajar. Diz que “ler e caminhar, ambos sem muita objetividade, fazem a diferença entre o bom e o mau turista. É com olhos livres e sapatos gastos que se faz uma viagem marcante. O autor explica que em uma viagem não basta visitar os lugares manjados e comer os pratos típicos; é preciso estar aberto ao novo, correr os riscos, ter a paciência de não sair catalogando o que vê como ‘maravilhoso’ ou ‘decepcionante’ e nada mais”.

Não é fácil ser turista. Para sê-lo com propriedade, é preciso despir-se corajosamente de medos, preconceitos e até de certas idéias que, bem de dentro, surgem como verdades absolutas.

O turista é uma figura muito peculiar. Tem hábitos previsíveis, usa roupas que o delatam e ele mesmo, ao abrir a falar, entrega-se sem que ninguém possa duvidar da sua tão particular identidade. Em seu íntimo, há uma complexidade. Bem difícil compreendê-lo e quase impossível satisfazê-lo, em todo tempo e lugar.

Alain de Botton, misto de historiador e filósofo com uma roupagem contemporânea, tenta fazê-lo. Ele procura levar o leitor a pensar: você não se reconhece nesta situação?

É o que acontece em "A arte de viajar".Em pinceladas, o autor nos apresenta expressar-se de escritores, artistas e pensadores, em uma busca agradável do que pode ser considerado um esboço de receita para a viagem perfeita.

As crônicas de Botton exploram as expectativas que envolvem a prática do ir e vir, a forma como o turista acaba por projetar estas expectativas nos lugares que visita, as razões pelas quais se escolhe um destino, a dinâmica que orienta a maneira pela qual se absorve e depreende as paisagens, a arte de ver um mundo diferente do habitual e a satisfação da volta para casa.

Fala da relação entre a arte e o desejo de viajar. Mais além, fala também dos mecanismos pelos quais os turistas tentam se apropriar destas cenas e das formas pelas quais tentam apreender a beleza com os seguintes dizeres:

“Quando nos deparamos com a beleza, um impulso incontrolável é o de fazer com que ela permaneça: possuí-la e atribuir-lhe alguma importância em nossa vida. Surge a vontade de dizer: Eu estive aqui. Vi isso e isso fez diferença para mim."

"A beleza é, porém, fugidia. Costuma ser encontrada em lugares aos quais podemos nunca mais voltar, ou pode ainda resultar de uma rara conjunção da estação do ano, da luz e do clima. Como então possuí-la, como fazer permanecer o trem flutuante, os tijolos semelhantes a halawe ou o vale inglês?"

"A fotografia fornece uma opção. Tirar fotografias pode amenizar a sofreguidão pela posse detonada pela beleza de um lugar (...). Ou, ainda, poderíamos tentar gravar a nós mesmos num local belo (...). Um passo mais modesto poderia consistir em comprar um objeto (...) para servir de lembrança do que foi perdido, como uma madeixa que cortamos da cabeleira de uma amante que parte.”

Reporta-se a idéia de John Ruskin, escritor e crítico de arte britânico, que “lamentava a cegueira e a pressa dos turistas modernos” e defendia que, entre as várias formas que permitem que nos apropriemos da beleza dos lugares, as mais eficazes são a escrita e o desenho (uma proposta ousada de uma “arquitetura – junto com uma literatura – da viagem”?), independente do talento que se tenha (ou não) para isso: “No processo de recriar com nossa própria mão o que está diante de nossos olhos, parece que passamos naturalmente de uma posição de observar a beleza de modo informal para outra na qual adquirimos profunda compreensão das partes que a constituem e, por aí, temos dela recordação mais firme”.

Vamos lá ver se entendi: a pintura é a interpretação dos ciprestes pelo talento de Van Gogh, pela qual me sinto atraída antes da viagem e que desperta meu desejo de visitar, por exemplo, a região da Provença. A fotografia do cipreste é registro, pelo turista comum, de uma experiência – ou a tentativa de levar um pouco que seja do que aquela viagem pode significar.

O desenho (ou o relato escrito), é a emoção registrada da visão do cipreste, é o que o cipreste – e tudo o que há em volta dele – diz ao coração do turista sensível, que se deixa emocionar pela viagem... Então, usando a expressão pelo desenho, fica assim:

Botton desafia um grupo de turistas japoneses em visita a Londres a deixar de lado as máquinas fotográficas e, sentados em cadeirinhas, desenhar a catedral que, minutos atrás, posava inerte para os flashes insanos do grupo. Fizeram desenhos lindos.


Viagem a Montevideo/outubro de 2011








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